Paola Rodrigues, árbitra assistente que trabalhou na semifinal do Carioca Feminino, entre Vasco e Fluminense, foi chamada de “macaca” por uma torcedora vascaína. A racista não foi identificada e o clube respondeu pelo ato, sendo punido com multa de R$ 20 mil e perda de três pontos em primeira instância. No dia 26 de novembro, a relatora Renata Mansur concedeu efeito suspensivo. Nesta segunda-feira (16), o Pleno julgou procedente o recurso da defesa e diminuiu a pena pecuniária para R$ 1 mil.
No dia 26 de outubro Vasco e Fluminense disputavam uma vaga na final do Campeonato Carioca Feminino, quando, ainda no primeiro tempo, uma torcedora ofendeu a assistente.
“Aos 19 minutos do primeiro tempo, minha assistente número dois, senhora Paola Rodrigues José, me chamou para afirmar que foi chamada de ‘macaca’ por uma integrante da torcida do Vasco da Gama. Além disso, outras ofensas, porém não podem ser identificadas. Ato contínuo com a paralisação para parada técnica, o delegado da partida agiu, juntamente com a segurança do Vasco, retirando todos os torcedores da arquibancada atrás da assistente. Desde as informações passadas aos responsáveis do Vasco, o clube buscou identificar a torcedora, fez o possível para ajudar e deu todos os amparos necessários”, escreveu o árbitro Alexandre Cardoso Rodrigues Junior apontando também o gandula Edmilson Alves de Souza como testemunha.
Com a não identificação da agressora, o Vasco foi denunciado nos termos do artigo 243-G §2º do CBJD, onde fala em “praticar ato discriminatório, desdenhoso ou ultrajante, relacionado a preconceito em razão de origem étnica, raça, sexo, cor, idade, condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência. §2º A pena de multa prevista neste artigo poderá ser aplicada à entidade de prática desportiva cuja torcida praticar os atos discriminatórios nele tipificados, e os torcedores identificados ficarão proibidos de ingressar na respectiva praça esportiva pelo prazo mínimo de 720 dias. § 3º Quando a infração for considerada de extrema gravidade, o órgão judicante poderá aplicar as penas dos incisos V, VII e XI do artigo 170”.
Paola, o árbitro e o gandula foram chamados como testemunhas da Procuradoria, tendo o último não comparecido. Visível e obviamente ainda muito abalada com o ocorrido, Paola narrou e relembrou a agressão que sofreu enquanto trabalhava.
– A torcida do Vasco estava atrás, e houve um lance, do outro lado do campo. O árbitro estava na jogada e eles queriam que eu o chamasse e tomasse uma decisão que não é minha. Então começaram “cega, maluca”, até que eu escutei a voz de uma mulher, que parecia ter uma idade avançada, pela voz, “ô macaca, levanta isso daí. Não vai levantar isso não, sua macaca?”. O jogo estava paralisado, eu chamei o árbitro, comuniquei a ele, ele disse ao quarto árbitro que chamou o delegado da partida para torcida se retirar. Primeiro a comissão do Vasco também tentou identificar a agressora, mas nenhum torcedor quis acusar. Foi todo mundo conivente. Então tiraram a torcida e colocaram atrás do gol até o final da partida – disse a árbitra assistente revoltada e sem conseguir conter as lágrimas.
Ao fim das perguntas Paola encerrou com um desabafo.
– Não foi a primeira e não vai ser a última. Quantas vezes eu vou ter que vir aqui para falar que fui chamada de macaca? Não existe isso. Não existe.
O árbitro Alexandre Cardoso também foi ouvido, ratificou o que escreveu na súmula e acrescentou que cogitou suspender a partida em razão do estado em que se encontrava Paola por causa das agressões recebidas, mas a vítima optou por continuar trabalhando.
– Antes de proferir o voto quero dizer que nós, especialmente, estamos aqui há quase uma década e nunca nos deparamos com ato tão ultrajante aqui. Essa Comissão em específico não tolera atos discriminatórios, sobretudo o racismo. O Vasco tem uma história notória. Foi o primeiro a peitar os cartolas da época justamente na luta contra o racismo. É um contrassenso julgar o Vasco sobre esse fato quase 100 anos depois. A FIFA anualmente lança campanhas de combate ao racismo. Não há espaço para o racismo. O artigo em que foi denunciado o Vasco prevê a aplicação de multa ao clube cuja torcida praticar ato discriminatório. O legislador foi bem feliz aí para não deixar o clube impune. No futebol precisa ser assim. O ato em si é gravíssimo e, com todas as ressalvas da brilhante sustentação da defesa, não há como afastar a responsabilidade do clube em atos tão grotescos. Analisando decisões anteriores, ainda que de primeira instância, essa Comissão tem um caráter de ser extremamente severa, mas justa. Eu quero votar com a minha consciência tranquila. O parágrafo terceiro, desse mesmo artigo, faz referência ao artigo 170 do CBJD (, onde há ato de extrema gravidade. Então aplico multa de R$ 20 mil mais a perda de pontos que é prevista no 170, pelo parágrafo terceiro desse mesmo artigo – votou Luiz Felipe, relator do processo na Quinta Comissão Disciplinar.
O entendimento do Pleno não foi unânime. O resultado foi maioria simples de três votos diferentes.
– A identificação, quando ela acontece, diminui as consequências para o clube, mas precisamos levar em consideração as consequências do fato. No dia da própria sessão, constou aqui no processo que tornou-se cristalina a emoção da vítima. O fato do Vasco se desculpar, é uma obrigação, não fez nada além do que cumprisse o dever. Acompanho a punição da Comissão Disciplinar – votou Wanderley Rebello, presidente da Quarta Comissão Disciplinar convocado para compor o Pleno na ausência da relatora Renata Mansur.
– Quando não há identificação, como posso punir o clube? Ele pode identificar, deter e tomar as providências, mas quando isso não é possível fica difícil, então absolvo – votou Dilson Neves das Chagas discordando da relatoria.
– Entendo as razões do Dr. Dilson, mas é o tipo de punição para que a torcida entenda. Só a torcida, na maioria das vezes, que pode identificar o agressor e ela só vai passar a apontar os culpados quando perceber que o próprio clube pode ser punido – disse Antônio Ricardo, concordando com a punição, mas discordando do valor. O auditor aplicou R$ 1 mil e foi o voto vencedor.
Elise Duque/Assessoria TJD-RJ