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Fluminense é advertido por gritos de “time assassino”

Comissão afasta artigo que trata de ato discriminatório e pune clube por descumprimento ao regulamento

11/02/2020

Fluminense é advertido por gritos de “time assassino”

O Fluminense foi julgado nesta terça-feira (11), pela Segunda Comissão Disciplinar, pelos gritos de “time assassino”, vindos das arquibancadas tricolores, no último Fla-Flu. Os auditores analisaram a denúncia, as provas e as defesas e decidiram, em primeira instância, aplicar advertência. Além desse fato, os clubes foram multados por atraso, Flamengo em R$ 1 mil e Fluminense em R$ 2 mil. O auxiliar técnico Maurício Dulac, do time das Laranjeiras, expulso por reclamação, também foi advertido.

ENTENDA O CASO

No dia 29 de janeiro, Flamengo e Fluminense jogaram pela quarta rodada da Taça Guanabara. Na ocasião, parte da torcida visitante entoou das arquibancadas o grito de “time assassino”, em referência à tragédia que ocorreu no Ninho do Urubu, em fevereiro de 2019, quando 10 jogadores da base rubro-negra morreram em um incêndio no CT.

O episódio foi amplamente noticiado na imprensa e a Procuradoria anexou aos autos matérias jornalísticas e vídeos para embasar a denúncia. Porém, na súmula, nada foi relatado pelo árbitro Rodrigo Carvalhaes de Miranda ou qualquer outra autoridade da partida.

O procurador-geral, André Valentim, que preparou a denúncia, frisou que cabe a cada clube orientar a própria torcida quanto ao cometimento de infrações, sob o risco de ser punido pelas atitudes de terceiros. A acusação incluiu o Fluminense no artigo 243-G do CBJD, que fala em “praticar ato discriminatório, desdenhoso ou ultrajante, relacionado a preconceito em razão de origem étnica, raça, sexo, cor, idade, condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência”, mas também entendeu que o Tricolor deveria ser punido pelo artigo 191 III do CBJD.

“Comprovadamente houve a infração prevista no artigo 191 do CBJD, por três vezes, uma vez que houve descumprimento do Regulamento Geral das Competições, do Código Disciplinar da FIFA e do Estatuto do Torcedor, conforme dispõe o CBJD: deixar de cumprir, ou dificultar o cumprimento: I – de obrigação legal; II – de deliberação, resolução, determinação, exigência, requisição ou qualquer ato normativo ou administrativo do CNE ou de entidade de administração do desporto a que estiver filiado ou vinculado; III – de regulamento, geral ou especial, de competição.”

Veja o que dizem os regulamentos apontados pela Procuradoria:

RGC – Artigo 14 § 7º – Os clubes, sejam mandantes ou visitantes, são responsáveis por qualquer conduta imprópria do seu respectivo grupo de torcedores nos termos do art. 67 do Código Disciplinar da FIFA, considerando-se conduta imprópria tumulto, desordem, invasão de campo, violência contra pessoas ou objetos, uso de laser ou de artefatos incendiários, lançamento de objetos, exibição de slogans ofensivos ou com conteúdo político, ou sob qualquer forma, a utilização de palavras, gestos ou músicas ofensivas. 

Código Disciplinar da FIFA – Artigo 13.1 – Qualquer pessoa que viole a dignidade ou integridade de um país, uma pessoa ou um grupo de pessoas usando palavras ou ações depreciativo, discriminatório ou vexatório (por qualquer meio) por razões raça, cor da pele, origem étnica, nacional ou social, sexo, deficiência, orientação sexual, idioma, religião, posicionamento político, poder compra, local de nascimento ou por qualquer outro status ou motivo sancionada com uma suspensão que dure pelo menos dez jogos ou um período determinado ou com qualquer outra medida disciplinar apropriada.

Estatuto do Torcedor – Artigo 13-A – São condições de acesso e permanência do torcedor no recinto esportivo, sem prejuízo de outras condições previstas em lei: V – não entoar cânticos discriminatórios, racistas ou xenófobos; VIII – não incitar e não praticar atos de violência no estádio, qualquer que seja a sua natureza.

DEFESA

O Flamengo ingressou com pedido de terceiro interessado e foi aceito pela Comissão. Tanto a Procuradoria quanto o Fluminense apresentaram prova de vídeo. A acusação mostrou imagens de torcedores cantando “time assassino”, já o Tricolor exibiu a homenagem feita pelo clube à época do ocorrido e juntou aos autos cartas enviadas às famílias das vítimas, manifestações contra a atitude da torcida e nota oficial após o Fla-Flu deste ano.

Rodrigo Frangelli, advogado do Rubro-Negro, por solicitação da defesa tricolor, foi o primeiro a sustentar e pediu uma punição pedagógica ao adversário.

– É público e notório o bom relacionamento que têm as duas instituições. O Flamengo veio hoje somente com o intuito de se evitar a prática rotineira dos fatos ocorridos. Primeiro porque faz mal ao futebol carioca e segundo, o mais importante, evitar transtornos maiores na praça esportiva. O julgamento de hoje mostra de fato o resultado educacional para as torcidas. Flamengo sabe que a instituição não tem nada a ver com isso, mas é preciso dar uma punição pedagógica e que se dê uma resposta através desse julgamento – pediu Frangelli.

O causídico tricolor, Rafael Pestana, criticou a Procuradoria pelo teor da denúncia e mostrou o inconformismo do clube por considerar não haver tipicidade para o fato ocorrido. 

– Essa denúncia é injusta e ilegal. Assim como outros clubes, o Fluminense já foi alvo de ações da Procuradoria, seja por casos simples ou complexos. Mas hoje a gente pode afirmar que nenhuma denúncia trouxe maior inconformismo como essa. O difícil de aceitar essa denúncia não é a sua gritante inépcia, são atípicos os fatos relatados, não é a penalidade requerida pela Procuradoria, completamente descabida e desproporcional, o que é mais difícil de digerir é porque ela traz nas entrelinhas a pecha da indiferença, do descaso ao fatídico acidente. Não há nada mais injusto que isso. O Fluminense foi o primeiro a prestar solidariedade, não só ao Flamengo, mas também às vítimas. Fluminense chegou a decretar três dias de luto e colocou à disposição do Flamengo todo seu staff. Chegou a ser divulgado na época uma carta que o Fluminense encaminhou aos pais de todos os atletas – protestou Pestana, que continuou.

– No campo da legalidade essa denúncia traz fatos atípicos. Ele tem que ser relacionado ao preconceito com elementos citados no artigo. Não há tipicidade. Três são os pontos que levaram a Procuradoria a denunciar o Fluminense nos termos do artigo 191 III. O artigo só serve para atos discriminatórios. Violação ao Estatuto do Torcedor não se enquadra nesse caso porque nada disso ocorreu, nem incitação à violência. O artigo 13-A fala das condições para acesso e permanência do torcedor no estádio. O terceiro ponto, ainda que houvesse violação ao Estatuto do Torcedor, não seria competência da Justiça Desportiva. A competência seria da Justiça comum. E, por fim, o artigo 14 do RGC não traz obrigação dos clubes de fazer ou não fazer, ele estabelece uma premissa. E onde estão esses limites? Estão no CBJD. O pedido da defesa do Fluminense é muito simples. Aguarda-se a absolvição do clube como medida justa. Essa denúncia não merece prosperar e no caso deste Tribunal entender de apenar de maneira pedagógica, que se aplique o artigo 191 com advertência e sugestão para que os clubes passem a fazer campanhas de conscientização aos torcedores – finalizou o advogado tricolor.

RESULTADO

O relator, Rodrigo Octávio Borges, sustentou o voto afastando o artigo 243-G, mas punindo o clube nos termos do artigo 191 III aplicando o artigo 39 do Estatuto do Torcedor.

– Vive-se em um momento, tanto social quanto no desporto, em que já não há muito espaço para determinadas condutas. Há um momento em que deve haver um basta, um pronunciamento para que danos maiores não ocorram, porque a omissão, o silêncio, a permissividade podem causar danos futuros. Já houve manifestações do mesmo tipo por outras torcidas, é público e notório, apesar de não ter havido a formalização de uma denúncia. Quantas mais serão? Que outros times farão isso? Quero pontuar, em primeiro lugar, que o nobre advogado disse que o clube não teve esse posicionamento. Fato. Todas as razões ditas aqui por mim, de antemão já falo que não tem a ver com a instituição. É um caso muito peculiar, muito difícil encontrar um dispositivo que se adeque. Não é uma discriminação. É de mau gosto, é grave, não é uma mera disputa de torcidas ou provocações, aqui é um fato lamentável que está sendo utilizado para acirrar a rivalidade. A torcida do Fluminense quando entoou o cântico, desrespeitou a memória das vítimas, os familiares das vítimas, desrespeitou os atletas do Flamengo, porque a torcida fala “time assassino”. Houve imensa dificuldade em encontrar um artigo para enquadrar esse fato. Acho que o 243-G é inadequado. Encaminho meu voto entendendo ter havido sim uma infração desportiva pela torcida do Fluminense e, neste caso, entendo que infringiu o artigo 191 III do CBJD. Infração do 191 III com multa de R$ 25 mil e impedimento de acesso à torcida com base no artigo 39 do Estatuto do Torcedor, por uma partida.

Os demais membros da Comissão não concordaram com o relator e houve duas divergências. Leonardo Rangel, Rafael Lira e Julião Vasconcelos acompanharam o afastamento do artigo 243-G, mas discordaram quanto à proibição de torcedores por uma rodada.

– Óbvio que têm dispositivos que são aplicados na esfera desportiva, mas tudo já foi regulamentado através do CBJD. O artigo segundo do Estatuto do Torcedor é muito claro. É aplicado tão somente para torcidas organizadas. Não vejo como aplicar esse dispositivo. Acho que a gente está invadindo a competência do Juizado Especial do Torcedor – explanou Julião.

O Fluminense, por maioria de votos, foi punido em R$ 25 mil no artigo 191 III do CBJD, convertido em advertência. Rodrigo Octávio votou pela pena pecuniária mais proibição da torcida, Leonardo Rangel e Rafael Lira mantiveram apenas a multa. Julião Vasconcelos divergiu do valor, aplicando R$ 5 mil com conversão e o presidente, Wanderley Rebello, absolveu o clube apoiado na premissa de não haver vítima ao ato dos torcedores.

– É ruim, é agressiva, mas não há vítima. Se não tem vítima eu não posso criar uma punição. A torcida não conseguiu se dirigir a ninguém, simplesmente fez uma manifestação que foi muito mal recebida por todo mundo, é óbvio, mas o clube não tem responsabilidade nenhuma. Não posso punir o Fluminense – falou Rebello.

No voto, Leonardo Rangel pediu também que o Tribunal oficialize todos os clubes quanto à disciplina e orientação à postura das torcidas, independentemente de serem organizadas ou não. A decisão cabe recurso e, caso não seja reformada, após trânsito em julgado, o Fluminense não poderá se beneficiar da pena de advertência nos próximos seis meses, conforme prevê o artigo 170 § 5º do CBJD, “a pena de advertência somente poderá ser aplicada uma vez a cada seis meses ao mesmo infrator, quando prevista no respectivo tipo infracional”.

MAURÍCIO DULAC

O Fluminense também defendeu o auxiliar técnico Maurício Dulac. O profissional respondeu por “assumir qualquer conduta contrária à disciplina ou à ética desportiva: desrespeitar os membros da equipe de arbitragem, ou reclamar desrespeitosamente contra suas decisões”, conforme prevê o artigo 258 II do CBJD.

“Expulsei, com cartão vermelho direto, aos 20 minutos da primeira etapa, o sr. Maurício Corrêa Dulac, auxiliar técnico da equipe do Fluminense, por ter saído do seu banco de reservas indo na direção ao assistente nº 1 Diogo Carvalho Silva gesticulando de forma acintosa e proferindo as seguintes palavras: c******, não foi falta para cartão”, traz a súmula.

– As palavras proferidas por ele não extrapolaram seu direito de livre protesto. Uma reclamação que não é ilícita. A gente entende que não extrapolou os limites de uma infração de jogo – disse o advogado Rafael Pestana, que conseguiu a advertência para o auxiliar. 

FLAMENGO E FLUMINENSE – ATRASO

Após o intervalo, as duas equipes demoraram para retornar ao gramado, dando causa ao atraso de três minutos. No documento de jogo há o relato de que o Flamengo ultrapassou um minuto e o Fluminense dois.

Os clubes foram incursos no artigo 206 do CBJD, por “dar causa ao atraso do início da realização de partida, prova ou equivalente, ou deixar de apresentar a sua equipe em campo até a hora marcada para o início ou reinício da partida”.

A Comissão aplicou a pena máxima, por minuto, a cada clube. O Rubro-Negro foi multado em R$ 1 mil e o Tricolor em R$ 2 mil.

Elise Duque/Assessoria TJD-RJ
(Reprodução autorizada mediante citação do TJD-RJ e crédito nas fotos)

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